Dou-te, sem pudor, tudo
que queres. Minhas mãos,
meu toque indeciso, olhares,
sentido, tempo, perdição,
solução, alívio e dor.
Dou-te todos os meus reflexos,
refrações e cores. Meu amanhecer
dourado, meu anoitecer prateado.
Dou-te a minha memória fraca,
minha lembrança mais íntima,
meu sorriso mais aberto,
meu abraço mais caloroso,
minha tristeza mais aguda,
minha alegria delirante...
Dou-te todas as verdades
e mentiras que vivi. Todas
as histórias que ainda viverei,
todas as páginas do livro
que escrevi e ainda estou
por terminar, mesmo que
sem fazer por merecer.
Dou-te minha sede, minha vertigem,
meu corpo cansado, minha derrota.
Dou-te meu oceano, minha horta,
meu vigor e todas as vitórias.
Todas as mazelas e remédios
que possa encontrar em meu caminho.
Dou-te, de peito aberto, o pulsar
do meu peito, o ranger dos meus
ossos, o calor das minhas idéias,
a origem dos meus gestos,
o brilho por trás dos meus olhos,
a lucidez da minha certeza,
o valor da minha essência.
Dou-te meu padecer exausto,
meu despertar vigoroso,
os passos da minha jornada.
Toda a energia que entra
em meus poros e passeia
pelo meu corpo. O meu sangue
a bombear pelas minhas artérias,
o ar que estufa meus pulmões,
as proteínas que me nutrem.
Dou-te a luz que me faz
enxergar, a escuridão que
me sossega em outros momentos,
a nebulosidade que me trás
a dúvida, e com ela, a resposta
para me manter em pé
diante à dias incertos...
Dou-te meu presente, passado
e futuro. Meu universo e todas
as constelações. Embrulho-me
não como lembrança, não como
objeto, mas sim na imaterialidade
que percorre seu pensamento,
sua presença e sua imaginação...