sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Elegia.


Calor molhado no meu corpo cansado.
Só me dê um motivo para Eu ficar parado
e pensar que todos os momentos falhos
se mostraram apenas devaneios alados.
Deixo que meu espírito singelo e calado
subtraia todo o tormento empilhado
de meus caminhos turvos, porém traçados.

Desejo que toda a virtude memorável
não se torne uma existência inviável.
Nega, diante de minha face imutável
que toda esperança, um dia, palpável
se tornou uma lembrança reciclável
em meio a todas as histórias vividas.

Peço, como ultima imagem descrita,
as virtudes antes nunca merecidas
e as alegrias quase sempre suprimidas,
para que no momento da minha partida
estejam cicatrizadas as minhas feridas,
e as dores, por fim, esquecidas...

Desapego.


Me apego ao teu fracasso
de cara nova e tempo velho,
pois tudo teu que carrego
está caindo aos pedaços.

Mas antes desfaço os laços
que me atam ao teu viver.
Não há nada aqui para crer,
só rancor entre descasos.

Arrasto por aí os frangalhos
da história por nós escrita
sobre sombras permanentes.

Se por ventura meu amargo
levantar uma dor infinita,
que esta seja a tua corrente.


Ébrio Amanhecer.


Nasce a flor celeste
pela loucura que desce
da aurora nada terrestre.

O fluxo se repete
desejando ser mestre
numa virtude em peste.

A calma se enfurece
no limiar da espécie,
esquecendo o que se perde.

A lua se despede
na madrugada que adoece
pela luz indesejada que aparece.

Meu dia anoitece,
minha alma escurece,
meu amor, então, padece.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Identidade.


A mente move o corpo
e esse se perde sempre
na busca de algo novo,
de algo subseqüente.
Satura por um momento
todas as emoções vívidas,
nutrindo esse tormento,
inflamando as feridas.

Falido sobre pobres pés
se debruça na desilusão,
ansiando uma nova fé
que lhe atire na imensidão
escondida numa lição
antes nunca aprendida.
Uma essência poluída
nunca encontra salvação
só se afoga mais ainda
no caminho da perdição.

Beirando seu ego ardente,
o sujeito perde a sanidade.
A criatura mutante geme
não de dor, mas de piedade
pela própria alma decadente
sem forma, sem identidade.

Megalomaníaco.


Dor? Que dor? Não sei o que é isso...
Meus pés não tocam o mesmo chão
duas vezes, sou filho de Eva com Adão
e também habito o mesmo paraíso.

Não sofro por nada nem por ninguém.
Meu coração é um escudo contra o olhar
que vem para tentar tomar ou desviar
toda beleza que nasce de mim, o além.

A perfeição é realidade num rosto
que sorri ao se auto-contemplar
diante da inferioridade distante.

O amor só existe para os poucos
que possam ter o prazer de amar
e idolatrar meu divino semblante.

No Limbo.


Minha mentira é devoção
aos olhos de quem teme virtudes.
Pensamento vago, caminhos já trilhados,
loucuras sem devaneios...
Passeio pelos becos sem saída
e encontro meus sonhos ao chão,
seguindo o rastro de lugar nenhum.

Derramo sangue nas galerias
de uma rotina sólida, imutável,
sempre agonizante e sufocada.
Em meu rosto há um semblante
pré fabricado, olhar vazio, aceitável.
Sentimentos são descartáveis,
pode-se ter o que se quer, se assim quiser.

Com pés de chumbo me desloco
de um lado para o outro, nunca em frente.
Meu corpo dormente dança
a dança dos desmaculados.
Desafio as virtudes sóbrias
na espera de um descaso
cada vez mais distante,
fora do contexto palpável.
Delirante, sigo rumo ao limbo
que já aguarda meu descanso.

Em frangalhos me arrasto ao precipício
alojado nas entranhas da existência
fúnebre, reflexo de morte.
Talvez, em algum dia de sorte
possa encontrar o paraíso perdido
no longo caminho que percorri,
a fim de trazer a tona o inferno
que habita dentro de mim...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Inatural.


Penso, logo desisto.

Me entrego ao mundo

feito de novidades súbitas,

de sentimentos fúnebres,

de pensamentos de ontem.


Com meus pés de chumbo,

me arrasto pelos becos úmidos

em busca de uma nova verdade,

sem sentido, sem vontade.

Caio em um berço nocivo

desejando por um abrigo

com paredes ilusórias

e teto despedaçado.


Atirado aos bocados

e sobrando nos cantos.

Repito a mesma anedota

à espera de um sorriso,

mesmo que seja cínico.


Longe de mim e de todos,

definho a minha natureza

a fim de construir uma beleza

plástica e suportável a olhos nulos,

retrato da mais pura incerteza.

Termino, então, meus dias ordinários

descartável e desumano.


Fútil amor furta cor.


Meu, teu, nosso.

É tudo ócio e rancor,

dividido entre o calor

Esquecido lá trás.

Toda dor se desfaz

num soprar narcisista,

num tocar masoquista,

adiando o tormento

já impresso na vista.


Costuro os retalhos

espalhados de mim.

Sem a cor veio o fim

afogado em abraços

cegos e amargurados.

Repito meu caminho

naufragado em amor

sujo e mau resolvido,

um pedaço de calor.


Adeus no crepúsculo.

Até breve, se possível.

Esta receita infalível

reflete meu mundo.

Meu semblante crível

já não me é aceitável.

Fantasio tempos nulos

desejando algo novo,

que não seja estorvo

a um sentimento falido.


Mais um dia perdido

na imensidão em ruínas.

Pensamentos em cinza,

orgulho descolorido.

Meu pesar, meu abrigo.

Deixo-me levar, paciente,

pelos ventos mais quentes

e olhares sempre frios...